Jovem morto por leoa em João Pessoa (PB) foi abandonado pela família e tinha o sonho de domar felinos, diz conselheira
Gerson de Melo Machado, de 19 anos, que morreu neste domingo após invadir o recinto de felinos de um zoológico de João Pessoa, na Paraíba, tinha o sonho de domar leões e uma trajetória de vulnerabilidade e abandono. Após a confirmação da morte, a conselheira tutelar Verônica Oliveira usou as redes sociais para se despedir do jovem e relatar os oito anos de luta por tratamento para ele, que tinha transtornos mentais.
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Vaqueirinho, como era conhecido, foi atendido pelo Conselho Tutelar de Mangabeira dos 10 aos 18 anos de idade. Ele era filho e neto de mãe e avós esquizofrênicos, segundo Verônica, e já havia sido interceptado em situações de risco antes.
"Gerson, meu menino sem juízo… Quantas vezes, na sala do Conselho Tutelar, você dizia que ia pegar um avião para ir a um safári na África cuidar de leões. Você ainda tentou. E eu agradeci a Deus quando o aeroporto me avisou que você tinha cortado a cerca e entrado no trem de pouso de um avião da Gol. Graças a Deus, observaram pelas câmeras antes que uma tragédia acontecesse", escreveu ela.
No relato, Verônica disse que recebeu Vaqueirinho pela primeira vez aos 10 anos, quando ele foi encontrado sozinho por agentes da Polícia Rodoviária Federal numa rodovia. De lá para cá, segundo ela, foram dez anos "brigando para garantir seus direitos".
"Eu nunca consegui ver você como as redes sociais te pintavam. Eu conheci a criança destituída do poder familiar da mãe, impedido de ser adotado como os outros quatro irmãos. Você só queria voltar a ser filho da sua mãe, que é esquizofrênica e não tinha condições de cuidado. Sua avó, também com transtornos mentais. Mas a sociedade, sem conhecer sua história, preferiu te jogar na jaula dos leões", escreveu Verônica.
Homem morre após entrar em jaula de leoa em João Pessoa (PB)
Reprodução de vídeo
Num vídeo divulgado nas redes sociais, após a morte, a conselheira tutelar afirmou que o jovem não recebeu o tratamento que precisava.
— Embora o Conselho solicitasse laudos porque era visível o transtorno mental, o Estado dizia que ele só tinha um problema comportamental. Será que alguém que entra na jaula de leão, que joga paralelepípedo no carro da polícia, tem problema comportamental? Não, isso não é só problema comportamental. Gerson precisava de tratamento, que não foi oferecido — disse ela, em vídeo.
Veronica afirmou que Vaqueirinho passou por vários acolhimentos institucionais da cidade, mas era rotulado apenas como alguém com "problemas comportamentais".
— Mas os psiquiatras insistiam em dizer que era só um menino que não se adequava ao espaço porque tinha problema comportamental. O Conselho Tutelar de Mangabeira não vai se calar. Nós lutamos muito tentando garantir os direitos de Gerson. O meu sentimento hoje é de revolta — afirmou.
A leoa que matou Vaqueirinho no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido como Bica, não será sacrificada. A direção do estabelecimento afirmou que Leona está bem e segue em observação e acompanhamento contínuo, já que passou por um "nível elevado de estresse". A administração do parque ressaltou que o animal não apresenta comportamento agressivo e descartou eutanásia.
"É importante reforçar que em nenhum momento foi considerada a possibilidade de eutanásia. A Leona está saudável, não apresenta comportamento agressivo fora do contexto do ocorrido e não será sacrificada. O protocolo em situações como essa prevê exatamente o que está sendo feito: monitoramento, avaliação comportamental e cuidados especializados", destacou o parque em nota.
O parque acrescentou que médicos veterinários, tratadores e técnicos estão dedicados "integralmente" ao bem-estar de Leona para garantir que ela "fique bem, se estabilize emocionalmente e retome sua rotina com segurança".
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O Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba (CRMV-PB) anunciou que vai instituir uma comissão técnica para avaliar o Parque da Bica, que foi fechado após o ataque. Não há previsão para a reabertura a visitantes.
Investigação
A Secretaria de Meio Ambiente abriu uma investigação das circunstâncias do fato, segundo a prefeitura da capital paraibana. Em nota, o Conselho Regional de Veterinária afirmou que a comissão vai "analisar as condições estruturais e operacionais do parque e dialogar com a Prefeitura Municipal de João Pessoa, visando colaborar para a implementação de medidas preventivas mais rigorosas e eficazes". O órgão afirmou, ainda, que vai buscar, junto à administração da Bica e aos responsáveis técnicos pelo local, "esclarecimentos sobre os cuidados adotados, os protocolos de segurança existentes e eventuais falhas que possam ter contribuído para o ocorrido".
Na nota, o CRMV-PB pontuou que o Parque da Bica já havia registrado furtos de animais no passado, o que, para o órgão, "reforça a necessidade urgente de revisão dos sistemas de vigilância, controle de acesso e manejo". O objetivo principal é garantir a segurança da população e o bem-estar dos animais, segundo o conselho.
De acordo com a administração do Parque da Bica e a prefeitura de João Pessoa, Vaqueirinho invadiu "deliberadamente" o recinto da leoa no zoológico. O poder municipal destacou que, "de maneira rápida e surpreendente", ele escalou uma parede de seis metros, as grades de segurança, chegou a uma das árvores do espaço e entrou na jaula. Vídeos que circulam pelas redes sociais mostram a ação do homem, que foi atacado pelo animal e não resistiu aos ferimentos.
A prefeitura afirmou, em nota, que equipes de segurança tentaram impedir a ação do homem, mas não conseguiram.
"Assim que a ocorrência foi constatada, o parque foi imediatamente fechado para os procedimentos de segurança e remoção do corpo", afirmou o poder municipal, que prestou solidariedade à família.
Em nota, a prefeitura ressaltou que, apesar do sistema de segurança do parque, que "atende às normas técnicas", o "episódio lamentável" ocorreu porque "o homem insistiu na invasão". Pelo Instagram, o Parque da Bica afirmou que "sempre seguiu padrões rigorosos de segurança em seus recintos".
"O espaço da leoa conta com mais de 8 metros de altura, grades reforçadas e todas as barreiras técnicas previstas para garantir a proteção dos animais e dos visitantes. O ocorrido foi um incidente absolutamente imprevisível, fora de qualquer cenário dentro da rotina do parque", destacou a administração do zoológico.
Veterinário do parque, Thiago Nery destacou que a leoa ficou "em choque" com o ocorrido, mas obedeceu às ordens da equipe.
— O animal é condicionado, então ele passa gradativamente, anualmente, por treinamentos, e esse treinamento garantiu que conseguíssemos colocar esse animal de volta sem uso de arma de fogo, sem uso de tranquilizante, de dardo. E aí ele obedeceu, foi pra dentro do seu recinto. Obviamente que teve uma demora porque o animal estava muito estressado e em choque também — disse, em vídeo.
Ainda segundo o parque, a leoa passará por acompanhamento e avaliação nos próximos dias "por ter passado por um momento de grande estresse".
"A Bica permanecerá fechada para visitação até a conclusão das investigações e dos procedimentos oficiais, prezando pela transparência e pelo compromisso com a segurança de nossos visitantes, colaboradores e animais", acrescentou o espaço, numa segunda nota publicada no Instagram.
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