Respira,
Mãos ao alto, levanta a poesia,
Esta poeta cor de pele,
já pintou a carta de alforria.
@poesia-em-rede.bsky.social
Se eles querem interromper os sentidos, nós estamos aqui para lutar pela polissemia. ⚠ Além de colocar em circulação textos poéticos de autores consagrados, o objetivo desse perfil é ser um ponto de divulgação de autores que ainda não foram publicados.
Respira,
Mãos ao alto, levanta a poesia,
Esta poeta cor de pele,
já pintou a carta de alforria.
Fazemo-nos de fortes,
Que mais poderíamos ser?
Numa sociedade de moldes,
A fingir entender,
A rir no eco a seguir,
A pensar que Black Lives Matter é mais um post para curtir.
Mas Muxima Uamiê está sofrendo,
+
porque a Beyonce pode ser preta afinal de contas o que importa, é o interior.
Ouço as palavras a fazer ricochete,
Num corpo em bala,
Eu vejo,
De sol a sol,
Mantemo-nos fortes,
Que as mães têm calos de pensar,
Os pais as mãos a esbranquiçar.
+
Que nunca tivesse chegado a terminar o secundário?
“Falas tão bem português”, fecho os olhos a engolir todos os clichês.
“Mas não ouves kizomba, ah, claro que sabes dançar”, dizem enquanto meto os Arctic Monkeys a dar.
E já se sabe, quanto mais talento, mais se tolera a cor,
+
Com estes tempos, estas tempestades, estes sismos, ismos
E eu sei, podia ser menos uma poeta a falar sobre racismo
Mas preferiram o quê?
Que em vez do lápis a carvão pegasse uma arma na mão?
Que caísse em tantas outras estatísticas, noticiários?
Que me escondesse por detrás dos armários?
+
O que é que isso importa?
Porque naquele dia fizeram de mim uma
Poeta cor de pele,
De lápis cinza aguçado acastanhado,
No nevoeiro dos mares
Dantes e sempre navegados,
A minha língua é o lápis
Onde escrevo a cor dos meus sentimentos,
Quem vai perder tempo a escrever versos de amor
+
Pensei em então citar Martin Luther King ou Nelson Mandela
Só para ficar bem na tela.
Ignorar o vazio do mundo,
Fazer dos ouvidos mudos,
Porque preferem um poema com o sol no canto do papel,
As nuvens pintadas a azul,
Sem a dor no fundo.
Falar do que incomoda?
Andar a afiar a língua,
+
Olhava fixamente para aquele lápis cor… de pele.
Poeta.
Naquele dia, desisti de falar sobre unicórnios
E fazer citações,
Porque ser-se poeta é falar de emoções,
Mas bem podia citar Luís de Camões, Fernando Pessoa
Sem dizer um poeta preto.
+
Que eu ainda era da altura de a língua afiar,
Tocar os sinos presos na garganta,
Dizer o que sinto e me espanta:
— Professora.
— Sim.
— Que raio é um lápis cor de pele?
Levei uma reprimenda, uma criança de tão tenra idade
A questionar a autoridade,
E olhava para o lápis,
Olhava para a minha pele,
+
Poeta (Por Alice Neto de Souza)
Eu era pequena,
Escola primária,
Inocente,
Mas curiosa nas palavras.
Peguei nos lápis,
Aqueles,
Com todas as paletas de cores,
Amarelo-torrado,
Azul-marinho,
Cor…
Com o lápis na mão,
Sem nem esconder a minha confusão,
Olhei para o lápis, e para mim,
+
Inverno (1994)
Antônio Cícero
MUNDO PERFEITO
A vida quis assim
eu de outro jeito.
Tem um mundo
diante dos meus olhos
que não se encaixa
em meu peito.
A gaiola protege
os inocentes
e ser livre é ser suspeito.
Fazer o quê,
quando o certo
parece errado
pra quem acha
que o mundo é perfeito?
SERGIO VAZ
Mundo perfeito?
o jovem
virou a cabeça para
o lado,
fechou os
olhos,
fingiu
dormir.
não havia mais nada
a fazer –
apenas escutar
o som do
motor,
o som dos
pneus
sobre a
neve.
Nirvana, Charles Bukowski
então a partida do
veículo, logo uma curva,
em declive, afastando-se
das montanhas.
o jovem
olhou diretamente
para frente.
ouviu os outros
passageiros
falando
de outras coisas,
ou então eles
liam
ou
tentavam
dormir.
não haviam
percebido
a
mágica.
+
então o motorista do ônibus
disse aos passageiros
que era hora de
partir.
o jovem pensou,
ficarei sentado
aqui, apenas ficarei onde
estou.
mas então
ele se ergueu e seguiu
os outros até o
ônibus.
encontrou seu assento
e olhou para o café
através da janela do
ônibus.
+
a pia,
logo atrás,
ria, uma risada
boa
limpa e
prazenteira.
o jovem assistiu
à neve cair através da
janela.
queria ficar
naquele café
para sempre.
um sentimento curioso
perpassou-o por completo
de que tudo
era
lindo
ali,
de que sempre seria
maravilhoso ficar
por ali.
+
sentou juntou ao balcão
com os outros,
fez o pedido e a
comida chegou.
a refeição estava
especialmente
gostosa
assim como o
café.
a garçonete era
diferente das mulheres
que ele
conhecera.
não era afetada,
sentia que dela
emanava um humor
natural.
a frigideira dizia
coisas malucas.
+
Sem grandes chances,
completamente desprovido de
propósito,
ele era um jovem
seguindo de ônibus
cruzando a Carolina do Norte
em direção a
alguma parte
e então começou a nevar
e o ônibus parou
num pequeno café
nas montanhas
e os passageiros
ali entraram.
+
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te
ou então
visto minhas calças vermelhas
e procuro uma festa
onde possa dançar rock
até cair.
Caio Fernando Abreu
Está tudo planejado:
se amanhã o dia for cinzento,
se houver chuva
se houver vento,
ou se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza fria
sobre as coisas
conhecidas pela casa
a mesa posta
e gasta
está tudo planejado
apago as luzes, no escuro
+
Mas a maior urgência que existe
O essencial
O muito essencial
É ser imensamente triste
E ter amado
Muito
E ter sofrido
E andar de poeta que fala sozinho
E falar muito abandonadamente
É preciso ter jeito de quem está querendo ser criança outra vez
E as mãos de um jardineiro quando está chovendo
Que saiba muito como começar a sorrir
Mas nunca saiba como começar a falar
Eu procuro alguém pra fazer uma poesia comigo
Tem que ser terno e triste
É essencial que seja triste
Os olhos de poeira
Muita saudade e medo
Gestos de até logo com jeitinho de adeus
Tem que ser distraído, sorrir à toa
Sempre querer chorar e nunca conseguir
[...]
Maria Cecília Nachtergaele
Eventos como exposições, festivais e relançamentos celebram as oito décadas de nascimento do curitibano Paulo Leminski, o poeta mais conciso do Brasil
29.09.2024 14:34 — 👍 19 🔁 3 💬 0 📌 0Leminski sempre
22.09.2024 22:21 — 👍 327 🔁 36 💬 4 📌 0
Quando se escreve, sabe-se que se está em viagem, que não se permanecerá muito tempo em nenhum lugar com as mesmas pessoas.
Quando se escreve, sabe-se que a vida será solitária tantas vezes quanto o caminho quiser.
Quando se escreve, sabe-se que um dia, se deixará de escrever.
Malú Urriola
Fui vaga-lume
na boca de um homem
cujas ideias iluminaram o mundo
só para mostrar
que estou aqui
poderia ter estado
em muitos outros lugares
sem nunca ter saído da minha aldeia
isto é dos meus anseios
[...]
Valeria Michea (Chile, 1990)
O que vês em mim é tudo
assombro/
Um rio turvo, um abismo,
um escombro/
O que vês em mim,
senão a máscara de um
claudicante/
precipitado em sua
revelação ?!/
Ouvir Maria Fernanda Cândido falar sobre Clarice Lispector é um privilégio em tantas dimensões que mal consigo verbalizar.
25.09.2024 23:24 — 👍 2 🔁 0 💬 0 📌 0