Estiagem se agrava, e rodízio de água volta a ser realidade no interior de São Paulo
Dois dias após a Sabesp iniciar a redução da pressão da água durante a madrugada para toda a Região Metropolitana de São Paulo, a cidade de Bauru, no Centro-Oeste paulista, anunciou um sistema de rodízio no abastecimento de água para moradores atendidos pelo Rio Batalha. A última vez que a cidade adotou o contingenciamento no abastecimento foi no fim de 2022, mas a estiagem e os níveis baixos da lagoa de captação do Batalha acenderam um alerta vermelho no Departamento de Água e Esgoto (DAE) da cidade.
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A captação do Rio Batalha atende cerca de 30% da população de Bauru e, em 2020, os moradores dos bairros abastecidos por esse sistema viveram meses de rodízio que chegou a ser de até três dias sem fornecimento de água. Desta vez, o DAE promete que medida é emergencial e temporária, mas não há prazo fixo para o fim da medida. Segundo o órgão, o rodízio só poderá ser interrompido quando o sistema voltar a ficar equilibrado.
O nível da lagoa de captação do Batalha recuou para 2,39 metros na última segunda-feira (25), bem abaixo dos 3,20 metros considerados ideais. Com a estiagem prolongada e sem previsão de chuvas consistentes, a autarquia decidiu implementar um rodízio 24h x 24h, dividindo a população em dois grandes grupos de abastecimento, que receberão água em dias alternados durante o rodízio. (confira a programação abaixo)
Enquanto a estiagem exige uma ação emergencial, o município argumentou ao GLOBO que aposta em investimentos para reduzir a dependência do rio. O índice de moradores da cidade que dependiam do abastecimento do sistema Batalha já foi superior a 40%, mas os 27% atuais ainda estão longe da meta de reduzir esse percentual para 12,5% nos próximos anos. A promessa foi feita no anúncio do programa “Água de Todos”, e seria viabilizada com a perfuração de poços e novas obras de interligação.
— As regiões da Vila Dutra e do Jardim Bela Vista deixaram de depender do Rio Batalha e são atualmente totalmente abastecidas por poços. Com o investimento de mais R$ 64,5 milhões para melhorar o abastecimento, outros 12,5% da população (as regiões da Vila Falcão, Vila Pacífico, Alto Paraíso e Vila Industrial) também serão totalmente abastecidas por poços após as obras — afirmou Rafael Lledo Ramos, do DAE.
Segundo o órgão, o programa será viabilizado em partes com recursos da autarquia, e com R$ 40 milhões em financiamento com a Caixa. O projeto de lei que permite o financiamento está na pauta da Câmara Municipal.
Momento de alerta em outras cidades do interior
Tanto em Bauru quanto nas demais cidades, autoridades reforçam a necessidade de economia de água. O GLOBO ouviu quatro cidades localizadas na porção sudeste do estado que são dependentes de mananciais e, consequentemente, da chuva para manter o abastecimento regular.
O cenário é dividido: enquanto municípios como Sorocaba e Vinhedo apresentam um cenário de relativa tranquilidade, outros como Artur Nogueira e Itu já sentem os efeitos da falta de chuva e adotam medidas preventivas para evitar o desabastecimento.
Em Artur Nogueira, a Represa do Cotrins, responsável pelo abastecimento de 70% da cidade, começou a registrar uma queda de 2 cm por dia em agosto. Embora a situação seja mais favorável que no ano anterior, quando a baixa começou em junho, a cidade já adota medidas paliativas de economia desde junho deste ano.
Assim como na Região Metropolitana de São Paulo — onde a Sabesp anunciou a redução da pressão a partir desta quarta-feira, todo dia das 21h às 5h —, a cidade adotou a diminuição da pressão na rede de distribuição durante a noite e a priorização do abastecimento dos reservatórios do sistema, com a utilização de apenas uma bomba. Embora ainda não enfrente um cenário de crise absoluta, a cidade apresenta sinais de alerta que exigem monitoramento constante e a implementação das medidas preventivas com objetivo de ganhar tempo e recuperar o nível da represa.
A Companhia Ituana de Saneamento (CIS) informou que a média geral dos nove reservatórios que abastecem Itu é de 80%. No entanto, a situação de algumas bacias inspira cuidados, como as do Itaim (55%), Braiaiá (50%) e Gomes (45%).
— Estão previstas no novo Plano Municipal de Combate à Estiagem uma série de medidas, caso haja uma intensificação desfavorável do quadro climático. Como, por exemplo, a utilização de bombas de transposição existentes em bacias, que deverão manter os mananciais em plenas condições de captação. Caso necessário, outras ações podem ser adotadas, como a colocação de caminhões-pipa para complementar a capacidade do sistema de abastecimento — informou Andre Bittencourt, da diretoria da CIS.
Embora o Brasil todo enfrente uma estiagem até mais severa do que a de anos interiores, a CIS afirmou que está confiante que não será necessário adotar rodízio ou racionamento de água em nenhuma localidade da cidade neste período.
Infraestrutura afasta o fantasma do rodízio
Vinhedo e Sorocaba são exemplos de cidades que passaram por obras estruturais nos últimos anos, que agora se mostram agora essenciais para a resiliência do sistema e para afastar o risco de desabastecimento.
Após enfrentar um período de rodízio no último ano, Vinhedo investiu R$ 14 milhões na construção da Represa 5, que adicionou 90 milhões de litros à reserva de água bruta, e colocou em operação a ETA 3, com capacidade para tratar 720 mil litros de água por hora.
Como resultado, os mananciais que abastecem o município apresentam níveis estáveis, com a maioria das represas operando acima de 70% de sua capacidade. A principal represa da cidade, que no mesmo período do ano passado operava com cerca de 25% a 30%, hoje está com 71,51%. Atualmente, não há racionamento em vigor e nem previsão de desabastecimento para os próximos meses.
Mesmo com a estiagem, Sorocaba também demonstra uma situação hídrica confortável. O Serviço Autônomo de Água e Esgotos (Saae) informou que os sistemas Ferraz/Castelinho e Ipaneminha operam com 80% e 90% de sua capacidade, respectivamente. A represa de Itupararanga, principal fonte de abastecimento, está com níveis dentro do previsto.
Com base nos dados pluviométricos, a autarquia ainda considera os níveis dos reservatórios satisfatórios para o período e descarta, no momento, qualquer possibilidade de rodízio. Apesar disso, a prefeitura informou que a dependência de Itupararanga exige monitoramento contínuo em caso de estiagem prolongada como o atual.
Ciclo climático desfavorável
O cenário estiagem que paira sobre o interior paulista é, na verdade, o resultado de uma herança climática desfavorável. Segundo Marcely Sondermann, meteorologista da Climatempo, a situação atual foi construída por uma sequência de eventos, incluindo a influência do fenômeno El Niño entre 2023 e 2024 e, principalmente, dois verões consecutivos com chuvas muito irregulares e abaixo da média.
Foi justamente a ausência daquelas chuvas volumosas e contínuas, típicas do verão e essenciais para abastecer os mananciais, que impediu a recuperação total dos sistemas e deixou os reservatórios mais vulneráveis para enfrentar o atual período seco.
Segundo a meteorologista, o prognóstico para os próximos meses exige cautela, mas aponta para uma melhora gradual. O mês de setembro ainda é considerado crítico, pois as chuvas que começam a retornar são esporádicas e insuficientes para reverter os números baixos dos mananciais.
— Sempre quando a gente fala em reservatório, a chuva que enche é a do verão, aquela que vem em vários dias consecutivos e com volumes altos. E isso não aconteceu. A segunda quinzena de outubro é quando essas chuvas realmente se regularizam e ganham volume — explica Sondermann.
A recuperação do déficit acumulado nos últimos anos será um processo de médio a longo prazo, que dependerá da confirmação das previsões para o próximo verão. Caso se confirme a expectativa de regularização e o ganho de volume das chuvas a partir da segunda quinzena de outubro, os reflexos nos níveis dos reservatórios devem começar a ser percebidos entre o fim de outubro e o início de novembro, segundo a especialista.
Até lá, o cenário segue de atenção: pancadas isoladas podem trazer alívio momentâneo, mas a recuperação consistente da oferta de água só deve acontecer no fim da primavera, reforçando a necessidade de consumo consciente até a virada da estação.
Como vai funcionar o rodízio em Bauru?
O rodízio começa a partir da 0h desta quinta-feira, em sistema 48 horas (24 horas com abastecimento e 24 horas sem). O departamento disponibilizou também uma ferramenta online para que os moradores possam consultar a situação do bairro onde moram.
Durante o contingenciamento, o DAE realizará o fornecimento de forma controlada, concentrando a distribuição da água às regiões programadas, para atender aos bairros que serão divididos em três grupos:
Grupo 1
Parque do Sabiás e Vila Independência;
Dias com abastecimento: quinta-feira (9), domingo (12), quarta-feira (15) e sábado (18).
Grupo 2
Centro, Altos da Cidade e Jardim Ouro Verde;
Dias com abastecimento: sexta-feira (10), segunda-feira (13), quinta-feira (16), domingo (19) e quarta-feira (22).
Grupo 3
Vila Falcão e Jardim Bela Vista;
Dias com abastecimento: sábado (11), terça-feira (14), sexta-feira (17), segunda-feira (20) e quinta-feira (23).
Durante a reversão do sistema (troca de abastecimento de uma região para outra), o setor atendido naquele momento não começa a receber água de maneira imediata. Isso porque é necessária a recuperação do sistema ("enchimento" das redes), que pode levar algumas horas, dependendo do tamanho e consumo de cada região.
Por conta disso, inclusive, a reversão do sistema será feita sempre durante a madrugada, período de menor consumo pela população. O critério para definir o esquema de rodízio considera as manobras operacionais possíveis de serem feitas e obedece critérios exclusivamente técnicos.