João Gabriel

O roxo no começo da primavera: amoras, jacarandás, açaí, tudo quanto se refere à amada na estação, a lembrança de abril passado, canções de amor que falam de setembro, de outubro, a prospecção das ameixas e ametistas pelos meses vindouros, quando o verão se despedir dessa cor de forma meio que pagã.

lindo!

O ipê amarelo mais bonito em sua segunda floração do ano!

A correção de encontrar a flor não procurada no meio da rua ou de ver a luz idêntica a que se sonhou cair sobre a calçada uma vez, um tipo de coincidência que abre mão do incidir em favor da adequação entre coisas que jamais se tocaram antes.

Fotos perfeitas!

As garagens dos hotéis do centro, e os dois hotéis que são as garagens, hotéis de carros torres imensas cor de terra com nomes de gente que têm nomes do mais famoso herói grego, o semideus deus, e um nome de gente, de família, de procedência talvez italiana... essas garagens liminares.

Os cones amarelos das sibipirunas e dos guapuruvus no começo da primavera, quando não há rosas brancas e nem água ou um traço da cor azul, a não ser quando se força a vista a enxergar o cerúleo na floração dos jacarandás, o cíano escondido por aí, no olho de um tucano.

A acácia rosa recebe a primeira luz do dia e sua cor se torna essa fantasia de alaranjado-coral-chama-rosada...

Flores felpudas de uma espécie de Albízia, acho eu.

Pompons de primavera

Nenhum outro animal sabe dizer ao certo se gatos têm ou não um deus ou deuses, e, caso tenham, só os gatos poderiam dizer, mas não diriam...

Quando chove e a gente ouve a cidade de outra maneira, parece que a imaginação da água suplanta um pouquinho da realidade das coisas, mas não sua concretude; é da água (e de seus predicados) o tornar superfície e âmago numa unidade que se apreende meio sem querer, vendo e ouvindo esse escoar.

Os pastos que restam nos bairros: enormes, habitados pelas vacas e as árvores que crescem nos ermos, que ninguém plantou, plantadas pelo empenho de alguém. Nesses pastos os gaviões caçam. A forma perfeita do voo e a solidez do bico, esse espanto do rapto que a gente vê na grama seca do pasto urbano.

Quando a gente ama alguém faz muito tempo, há um sentimento que subjaz todas as horas ociosas que passam solitárias; ao mesmo tempo uma destilação e uma descida à elementaridade do entusiasmo amoroso a que se dá tantos nomes, mas que se resume bem sob a fantasia do nome de quem se ama, rememorado.

Gatos pela manhã bem cedinho como a manifestação da última sombra da noite que ainda permanece frente à luz do novo dia.

Às vezes conseguimos nos lembrar da roupa que vestimos nos sonhos, mesmo quando o sonho não tem nada a ver com roupas, vestes, hábito, indumentária, rendas, tecidos, ocasião para acessórios bonitos, as costuras entre o onírico e o real ou qualquer coisa correlata. Mas então, lembrando, só tem a ver.

Sol se erguendo sobre a praça central com árvores e um prédio ao redor. No canto da esquerda está a Catedral.

Bem cedinho a gente vê o sol nascendo pros lados da Catedral Metropolitana e é assim:

O jeito de os gatinhos ficarem ao sol quase faz a gente pensar que há uma afinidade tremenda entre o astro e os bichanos. Mas é só um modo que eles têm de esperar por ela, aquela por quem realmente se eriça a pelagem de suas espinhas, a Lua perfeita de todos os gatos...

Pavor. Amo!

Às vezes tudo que existe é a música de Paulinho da Viola.

Um gato preto e branco sentado entre os tijolos vazados de um muro coberto com trepadeira.

Arisco, mas também curioso.

Às vezes sinto falta do silêncio que só existe em certas cidades, em ruas determinadas, na hora e no dia em que a gente se encontra em casa, entre a felicidade e todo o resto, sem fazer nenhuma escolha, enquanto percebe que esse silêncio tem alguma coisa a ver com a mais perfeita domesticidade.

O sol nascendo e refletindo no tronco liso e brilhante de um pau-mulato ainda jovem.

Talvez essa...

A luz da hora diz que já é primavera.

Ali Smith, gente, qualquer coisa escrita pela Ali Smith...

Nos primeiros dias de primavera (e até antes) é preciso passar sob os jacarandás, estejam eles floridos ou não. E a sombra cambiante da árvore, a antevisão das flores de um roxo que que se abre em rendilhas de pura cor, como se não fossem nada além da primeira cor da primavera, o que já é tudo...

O mais bonito ipê-amarelo aqui por perto!

Nessa época em que o inverno é todo outono antes da primavera...

Capa do livro Shire, da Ali Smith.

Gente, e esse livrinho da Ali Smith, hein? Perfeito demais...

A primeira luz do dia caindo sobre um gramado bem verde à beira da rodovia.

Ou só o espelhamento alquímico do minério no vegetal, do metal na folha, da cor como algo real que pode existir apesar da substância que ela colore.

A luz do sol, especialmente a do quase fim de inverno, faz aflorar no verde da grama - onde ainda é possível haver grama verde nessa época - o dourado mais bonito, que consiste numa operação misteriosa: tornar cor-luz em cor-pigmento, mas que não o é, não sendo nada além de um reflexo fantasmático.